Por: Dom Orani Tempesta
Na caminhada deste tempo entre o Natal e a Quaresma, já passado da metade dessa época, celebramos neste final de semana o VI Domingo do Tempo Comum.
A leitura do Eclesiástico (Eclo 15,16-21) deixa claro que cada pessoa opta pela sua felicidade ou desgraça, à medida que faz opções a favor da vida ou a favor da morte.
Deus deixa toda liberdade de escolha às pessoas, mas aponta, ao mesmo tempo, o único caminho certo: “Escolha, pois, a vida…” (Dt 30,19). É, portanto, responsável pela própria vida.
São Paulo, na Segunda Leitura deste domingo, (1Cor 2,6-10), em sua carta chama os cristãos de Corinto de pessoas maduras na fé, porque se abriram à novidade de Jesus Cristo crucificado. A maturidade na fé começa quando se acolhe o mistério da encarnação, morte e ressurreição de Jesus.
A sabedoria da qual fala São Paulo é o projeto de Deus, “uma sabedoria misteriosa, escondida, que Ele reservou antes dos séculos para a nossa glória”. (cf. 1Cor 2,7).
A comunidade de Corinto é destinatária dessa sabedoria, porque, em sua pobreza, escolheu o projeto de Deus já anunciado pelos profetas. O mesmo Deus, que caminhou no passado com Seu povo, está presente agora na comunidade que aceitou Jesus crucificado, revelando Seu projeto por meio do Espírito Santo.
O texto do Evangelho (Mt 5,20-22a.27-28.33-34a.37 ou a forma mais longa Mt 5,17-37), continuação do Sermão da Montanha, escolhido para este domingo é desdobramento das Bem-aventuranças.
Ele afirma que Jesus não veio para abolir a Lei e os Profetas, mas sim dar-lhe pleno cumprimento, respeitando as leis e as instituições de seu povo, e sempre as interpretou na perspectiva da promoção da vida e do bem comum.
Na segunda parte do Evangelho, Jesus explica, de maneira mais profunda, quatro exemplos do Antigo Testamento.
Jesus nos alerta que não basta observar leis para ser justo. É preciso observá-las de coração, com convicção, maneira pessoal, conscientes daquilo que se está fazendo, a fim de realizar o bem ao qual a lei visa.
A justiça não depende da observância externa da lei. É no coração que se decide a atitude mais verdadeira e mais radical do homem. É para aí que devemos dirigir a atenção e a escolha.
Não basta, portanto, não matar, mas é necessário não se desejar o mal do outro.
Não basta não cometer adultério; é preciso não desejar a mulher dos outros.
Não basta lavar as mãos antes das refeições, mas é necessário purificar o coração. Não basta erguer monumentos aos profetas, mas é preciso não os calar, matando-os.
Não basta o sacrifício, se não se põe na própria vida a moral e a justiça, a misericórdia e a fé.
Não basta multiplicar palavras nas orações, mas é necessário ter fé na bondade de Deus.
Qual é mesmo a proposta de Jesus para nós? Nossas relações favorecem a justiça que conduz a vida para todos?
O Senhor diz no Evangelho (Mt 5, 17-37) que Ele não veio destruir a antiga Lei, mas dar-lhe a sua plenitude; restaura, aperfeiçoa, e eleva a uma ordem superior os preceitos do Antigo Testamento.
Somos convidados a refletir sobre qual deve ser a atitude do cristão diante da Lei de Deus e as implicações que a mesma tem nas nossas opções de vida. Jesus não veio abolir a Lei, mas levá-la à perfeição.
Depois de ter anunciado os grandes princípios da nova lei nas bem-aventuranças, Jesus as desenvolve, aprofundando o espírito dos mandamentos dados ao povo de Deus por Moisés. Trata-se de cumprir não apenas materialmente os mandamentos, mas de dar-lhes o verdadeiro espírito de justiça e de amor. Daí as palavras de Jesus:
“Ouvistes o que foi dito aos antigos; Eu, porém, vos digo” (Mt 5, 17-37).
Isso em relação à vida, à felicidade ao amor conjugal e à verdade.
Não basta, por exemplo, não matar; é preciso também evitar palavras de desamor, de ressentimento ou de desprezo para com o próximo.
Não basta privar-se dos atos materiais contra a Lei; é preciso eliminar também os maus pensamentos e os maus desejos, porque quem os consente, já pecou no “seu coração” (Mt 5, 28): já assassinou o seu irmão ou cometeu adultério.
Quanto à verdade, diz Jesus: “Seja o vosso sim, sim, e o vosso não, não” (Mt 5, 37).
O cristão é chamado a ser transparente, simples. O contrário seria cheio de dobras, complicado. Não é só não jurar em falso, mas viver de tal modo a verdade que não se precise jurar de modo algum. Fazer tudo em nome do Senhor, no Senhor.
“Ouvistes o que foi dito aos antigos… Mas eu vos digo” (Mt 5,21-22). Somente se Jesus é Deus pode fazer algumas alterações nas tradições dadas por Deus no Antigo Testamento. E Jesus é Deus!
Por isso recordemos: “ninguém, pois, vos critique por causa de comida ou bebida, ou espécies de festas ou de luas novas ou de sábados. Tudo isto não é mais que sombra do que devia vir”.
“A realidade é Cristo”! (Cl 2,16-17).
Enquanto se insistem nessas “sombras da realidade”, é possível que coisas mais importantes sejam descuradas, como aquelas que o Senhor nos diz no Evangelho de hoje:
Viver a caridade para com todos, guardar o coração puro e casto, viver na verdade em todo momento.
Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
Fonte: www.jornaisbrasileiros.net.br
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