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Um recado do Cardeal Newman aos católicos de Facebook

Se há uma coisa que emperra a nossa vida espiritual, especialmente em tempos de Internet, é a ilusão da autossuficiência. As Escrituras ilustram o seu perigo quando dizem que ” Deus resiste aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes” (Tg 4, 6).

O bem-aventurado John Henry Newman, em um de seus “Sermões pregados em diversas ocasiões” — obra recém traduzida para o português e publicado pela editora Molokai —, tem algumas palavras muito adequadas para tratar esse problema. Falamos especialmente de um discurso seu, feito na University Church de Dublin, em 1856, que leva o título “A religião do fariseu, a religião da humanidade”.

Newman inicia a sua pregação com a oração do publicano, na famosa parábola do Evangelho (cf. Lc 18, 9-14): “Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador!”. Para ele, trata-se da oração cristã por excelência, por constituir, ao mesmo tempo, “uma confissão do pecado e uma oração por misericórdia” [1], coisa que absolutamente todos os membros da Igreja são chamados a repetir. Mesmo estando na glória do Céu, é justamente o fato de terem sido alcançados pela misericórdia de Deus o que os santos cantam dia e noite, como comprova o Apocalipse: “Foste imolado e resgataste para Deus, ao preço do teu sangue homens de toda tribo, língua, povo e raça” (5, 9).

Assim, continua o Cardeal Newman:

O que é para os santos que estão nos Céus tema de gratidão sem fim é, enquanto estão no mundo, o motivo da sua humilhação perpétua. Qualquer que seja o seu avanço na vida espiritual, nunca deixam de se ajoelhar, nunca deixam de bater no peito, como se o pecado lhes fosse estranho enquanto estavam na carne. Até mesmo Nosso Senhor, o próprio Filho de Deus na natureza humana infinitamente separado do pecado, e mesmo sua Mãe Imaculada, repleta da sua Graça desde os primórdios de sua existência e sem qualquer mancha do pecado original, mesmo eles, como descendentes de Adão, foram no fim submetidos à morte, a punição direta e categórica do pecado. E mais ainda, mesmo o mais favorecido da gloriosa companhia a quem Ele lavou em seu Sangue; eles nunca se esqueceram do que eram por nascimento; confessam, todos juntos, que são filhos de Adão, e da mesma natureza dos seus irmãos, cercados de enfermidades na carne, qualquer que seja a graça concedida a eles e seu aperfeiçoamento. Alguns podem se voltar para eles, mas eles sempre se voltam para Deus; alguns podem falar dos seus méritos, mas eles só falam dos seus defeitos. O jovem sem mácula, o maduro de idade avançada, o que pecou menos, o que se arrependeu mais, o semblante jovem e inocente e os cabelos grisalhos se unem numa mesma ladainha: ‘Ó Deus, tende piedade de mim, que sou pecador!’…” [2]

Essas verdades são realmente notáveis na vida dos santos. São Filipe Néri, por exemplo, “quando alguém o elogiava, gritava: ‘Vai-te embora, eu sou um diabo e não um santo!’, e quando ia comungar, protestava diante do seu Senhor, dizendo-se ‘bom para nada além de fazer o mal’” [3].

Mas não era um simples exagero retórico, uma questão de “etiqueta”, esse comportamento tão usual na história dos seguidores de Cristo. A humildade não é uma máscara que os santos colocam para disfarçar o que realmente são. Muito ao contrário, como ensinava Santa Teresa d’Ávila às suas irmãs, ser humilde é “andar na verdade” [4]: em primeiro lugar, a verdade de que somos criaturas e só por isso já nos encontramos infinitamente distantes de Deus, como diz o salmista: “Diante da vossa presença, não é justo nenhum dos viventes” (Sl 142, 2); em segundo lugar, a verdade de que somos pecadores — “todos pecaram e estão privados da glória de Deus” (Rm 3, 23) — e, com as nossas faltas, só o que fazemos é aumentar ainda mais o abismo que nos separa do Criador.

Assim, se procuramos levar uma vida correta, se nos esforçamos por cumprir os Mandamentos, se conseguimos praticar esta ou aquela virtude, nada disso é por mérito nosso, mas unicamente por graça de Deus. É Ele quem nos inspira, diz o Apóstolo, “o querer e o fazer” ( Fl 2, 13).

Isso precisa entrar em nossa cabeça o quanto antes, para que afastemos de uma vez por todas todo ranço de “pelagianismo prático” de nossa vida [5]. Não adianta nada reconhecermos, na teoria, que Deus é o “sumo Bem”, que só a Ele devemos servir e adorar, que não devemos viver para nós mesmos, se continuamos a levar, na prática, o mesmo estilo pagão e autossuficiente de sempre: sem reservar um tempo para fazer oração, sem cumprir os nossos deveres de estado, sem fazer durante o dia algum tipo de mortificação etc. Ora, se Deus é realmente a fonte de todo o nosso bem, por que não recorremos a Ele e não procuramos cumprir o que nos manda, inclusive nas pequenas coisas do dia-a-dia? Desde quando basta, para sermos bons católicos, ir à Missa aos domingos e rezar uma ou outra Ave-Maria durante o dia, ao mesmo tempo em que gastamos na TV, no Facebook ou no WhatsApp o resto do tempo que Deus nos dá — muitas vezes até, sob o pretexto de “estarmos evangelizando” na Internet?

A verdade é que não alcançaremos a santidade enquanto continuarmos sentados em frente a um computador, vivendo um catolicismo cômodo de Facebook; enquanto continuarmos comprando livros e mais livros para a nossa biblioteca, na ilusão de sermos salvos pela “alta cultura”; enquanto acharmos que tudo ficará bem quando o mundo for simplesmente conservador. Não foi para fundar um grupo nas redes sociais, uma sociedade literária ou uma agremiação política que Cristo veio a este mundo. Continua sendo necessário entrarmos na Igreja, e nela perseverarmos, para alcançarmos a salvação [6]. Nas palavras do beato John Henry Newman:

“As nossas realizações seculares não nos valerão de nada se não se subordinarem à religião. O conhecimento do Sol, da Lua e das estrelas, da Terra e de seus três reinos, dos clássicos ou da História, nada disso nos levará para o Céu. Podemos dar ‘graças a Deus’ porque não somos como os analfabetos e os estúpidos; mas aqueles a quem desprezamos, se tudo o que souberem for pedir a misericórdia dEle, então sabem o que se deve saber para obter o Céu, muito mais do que todas as nossas letras e toda a nossa ciência.” [7]

Tomar consciência de todas essas verdades também nos ajuda a ter, em relação ao próximo, uma atitude de muito mais caridade — virtude a qual muitas pessoas parecem ter esquecido na hora de usar a Internet. Talvez por não estarem face a face com quem se encontra do outro lado da tela, os usuários das redes sociais sentem-se livres para escrever em suas linhas do tempo todo tipo de ofensa e xingamento aos outros, por motivos muitas vezes os mais banais. A essas pessoas, aImitação de Cristo dá um conselho importante: “Ainda quando vejas alguém pecar publicamente ou cometer faltas graves, nem por isso te deves julgar melhor, pois não sabes quanto tempo poderás perseverar no bem. Nós todos somos fracos, mas a ninguém deves considerar mais fraco que a ti mesmo” [8].

Em todo o sermão de que falamos, o Cardeal Newman procura contrapor à religião cristã, marcada pela figura do publicano, a religião do fariseu, das pessoas “autossuficientes”, dos que “estão muito contentes consigo mesmos e acham que seu mérito é muito elevado” [9]. A diferença fundamental entre as duas está justamente na ação sobrenatural: esta é esteticamente até agradável, está repleta de “bons modos”, mas é imanente, humanista, mundana; aquela, no entanto, reúne pessoas de todos os tipos, as quais se esvaziam e se deixam redimir por Deus.

Por isso, você, que lê estas linhas, não deixe de fazer hoje a experiência do desespero… de si próprio! É a experiência fundamental que conduziu todos os santos a Cristo e que deve mover também a nossa conversão, dia após dia. Não somos capazes de amar a Deus com nossas próprias forças. Baseando-nos tão-somente em nossos esforços, não vai dar certo. Ele manda que trabalhemos, mas somos preguiçosos; que sejamos castos, mas somos infiéis; que sejamos pacientes, mas nos irritamos facilmente; que rezemos e nos lembremos dEle, mas sempre nos esquecemos. Se pararmos para meditar um pouco sobre a nossa miséria, veremos que a graça de Deus é necessária para absolutamente tudo em nossa vida. Sejamos menos autossuficientes, pois, e abramos o nosso coração para esta verdade que Cristo proclama no Evangelho: “Sem Mim, nada podeis fazer”(Jo 15, 5). Que Ele seja o nosso tudo, porque nós, definitivamente, não somos nada.

Por: Equipe Christo Nihil Praeponere – padrepauloricardo.org

Referências

  1. John Henry Newman, Sermões pregados em diversas ocasiões, 1. ed., São Paulo: Molokai, 2016, p. 27.
  2. Ibid., p. 28.
  3. Ibid., p. 29.
  4. Sextas Moradas, 10, 7.
  5. Reginald Garrigou-Lagrange, Las tres edades de la vida interior, 11. ed., Madrid: Palabra, 2007, p. 448.
  6. Catecismo da Igreja Católica, 846.
  7. John Henry Newman, Sermões pregados em diversas ocasiões, 1. ed., São Paulo: Molokai, 2016, p. 38.
  8. Imitação de Cristo, l. 1, c. 2.
  9. John Henry Newman, Sermões pregados em diversas ocasiões, 1. ed., São Paulo: Molokai, 2016, p. 32.

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This entry was posted on 8 de fevereiro de 2017 by in Religião and tagged , , , .

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